Expatriar: Da decisão aos sentimentos de morar em outro país

20:00

Conversando com algumas pessoas, o assunto sobre morar fora vem sempre a tona. Muitos me perguntam quais os sentimentos que passam na cabeça ao tomar a decisão de morar fora do país? E quando chegamos lá, o que fazer, quais atitudes tomar? A vida é difícil? Onde vai ser a minha casa?

Quando eu a convidei para escrever esse post, sabia que ela iria fazer da melhor maneira possível. Porém, me surpreendi, porque ela conseguiu passar todos os sentimentos de uma forma muito sincera.
Ela é uma pessoa a qual tenho um carinho e admiração enorme, não só pelo trabalho que ela faz no blog, mas pela dedicação e carinho à família, seu caráter e sua paixão por tudo que faz. Mesmo apenas a conhecendo virtualmente, tenho-a como uma grande amiga.

A Clarissa Mattos, mais conhecida como a Bailandesa, contou um pouco da sua experiência como expatriada e onde é o lugar que ela chama de "minha casa."


Bailandesa - Foto: arquivo pessoal da mesma



Sentimentos e aprendizados de uma imigrante na Holanda

A última virada da chave, deixando o apartamento vazio para trás. Uma vida muito bem  embalada em algumas caixas e duas malas.  Pela frente um imenso caminho desconhecido a percorrer.

Com passagem em mãos, visto no passaporte e um coração cheio de certeza e esperanças, estava eu a caminho da Holanda. Depois de meses de burocracia, despesas com cartórios e tradutores juramentados, estava pronta para ir em frente com a decisão mais arriscada da minha vida.

Depois de pesar muitos fatores e receber um empurrãozinho de um coração apaixonado, não tinha nenhuma dúvida de que emigrar seria a melhor opção no momento. Já tinha lido tudo sobre o país e me considerava super preparada, mas pouco sabia o que esperar das minhas emoções; o que sentiria? Como me sentiria? Acredito que muitos tenham as mesmas inseguranças. Por isso resolvi compartilhar o alguns aprendizados desses quase 5 anos de Holanda.
Amsterdam - Foto by Bailandesa

A decisão

Imagino que, como eu, muitas pessoas já passaram por esse processo.  O interessante é que deixar o seu país é uma decisão que exige uma análise da sua vida. De repente você percebe que coisas que nunca pareceram importantes para você, parecem inseparáveis: é o pãozinho da padaria da esquina, o bom dia do porteiro reclamão, o jornal de domingo e tantos outros pequenos e preciosos detalhes do dia-a-dia.  

Ao mesmo tempo, coisas que parecem ter muito valor, se revelam totalmente dispensáveis. Para mim, um momento simbólico foi quando selecionei o que traria para a Holanda. O que de material não conseguiria me separar? De repente entendi que, em termos de bens materiais, muito pouca coisa siginificava muito pra mim.


Utrecht - Foto by Bailandesa

Os primeiros meses: Olhos de turista e muita espera

No início, os olhos de turistas estavam em alerta total, descobrindo beleza , curiosidades e diferenças nos mínimos detalhes. É um momento de exploração e de deslumbramento. A excitação de ter um mundo novo a descobrir era quase pueril. Naquele momento, me sentia nadando num mar de possibilidades.

Quando a poeira começou a assentar e o cotidiano foi encontrando seu espaço, comecei a sentir falta de ter uma rotina de trabalho como no Brasil. O pior foi esperar pelo BSN ( Burger Service nummer) ou Sofinummer. Esse equivale ao CPF no Brasil. Sem ele você pode até ter o direito de estar na Holanda, mas não de ser. É a conta no banco, um cartão de crédito, estudar e etc. Passei 5 meses me sentindo na era do escambo, me sentia uma pária. Ansiosamente olhava a caixa de correio todos os dias. Até que um dia recebi o tal número que me transformava em uma cidadã.



Começando a vida

Se imigrar é equivalente a renascer. A chegada do BSN pode ser considerado o seu nascimento. A partir daí começou o Programa de Integração, com as aulas de Holandês e comecei a fazer um círculo de amizades e desenvolver a minha rede de contatos. A minha vida começa a produzir as primeiras fagulhas.

Mas aí também comecei a ver a importância de aprender a língua. E a sensação era que estava numa corrida na qual eu era a tartaruga e todos os outros habitantes do país eram lebres. A TV falava holandês, a família do namorado falava holandês, a caixa do supermercado idem. Não conseguia nem ler um rótulo de desinfetante.  Sim, sempre da para se virar com inglês, mas não era o que queria. Desejava tomar um pílula da fluência e acordar falando holandês perfeito.

Entre surtos de total amnésia e momentos de clareza estonteantes, a língua foi aos poucos sendo assimilada, assim como os costumes e as regras sociais. A sensação de ser uma estranha no ninho, foi milimetricamente e vagarosamente sendo substituída por um sentimento de que o meu lugar estava cada vez mais próximo.


Trabalho: flexibilidade, criatividade e paciência

Considero o primeiro ano como um período de exploração e aprendizado. Como um bebê que vai aprendendo a falar, engatinhar e dar os seus primeiros passos.  Com o término do curso de holandês e de integração, vem a busca com mais foco do lado profissional. E aí é a hora da paciência e criatividade.

Muitas vezes não é possível encontrar um trabalho exatamente na mesma área e função que você exercia no seu país. Outra oportunidade para olhar para você e ver as suas qualidades e potencialidades. Também uma chance de começar do zero. Enquanto não encontrei um trabalho que me deixasse feliz,  fiz traduções, escrevi, entrevistei, trabalhei como voluntária em Festivais e descobri que sou boa em muito mais coisas do que eu imaginava.

Um outro ponto importante é conhecer pessoas. Às vezes o trabalho não é remunerado, mas você pode fazer contatos, trabalhar num ambiente diferente, interagir com outras culturas.  Estar  aberto a novas experiências é fundamental pra quem quer se dar bem num novo país.

Haarlem - Foto by Bailandesa

Quando me sinto em casa?
Depois de muita batalha e algumas decepções, veio o trabalho que eu queria. E a minha rotina encontrou seu ritmo, as surpresas foram rareando e as diferenças, antes saltitantes, não se sobressaíam mais. É como se Alice se acostumasse com a loucura da Rainha de Copas, a Lagarta Azul e o Chapeleiro Louco. Como se tudo naquele país, tão estranho no início, parecesse rotineiro. E aí, podemos dizer que nos sentimos em casa?

Bom, devo dizer que essa é uma outra história. E pode ser que o que você deixou pra trás também não seja mais a sua casa.  Ao voltar para o Brasil de férias também estranhei muitas coisas.

Hoje tenho a nacionalidade holandesa, mas nunca deixarei de ser também uma estrangeira. Não há uma metamorfose completa ou uma forma de mutação. Hoje encontrei o meu lugar e me sinto confortável onde estou, como vivo. Encontrei o equilíbrio entre o que trouxe e o que assimilei. Isso é que é se sentir em casa. Ou seja, a sua casa quem vai construir é você e pode ser em qualquer lugar do mundo

Para quem quer ler mais sobre a experiência dela, seguem alguns posts relacionados no site da Bailandesa:





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13 comentários

  1. Que bacana esse olhar expatriado... hoje me sinto duplamente expatriada e é estraho estar em um novo país (Australia), depois de se sentir em casa em outros dois países (Brasil e Canada)...
    É estranho essa readaptação.
    Adorei o relato :)

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  2. Lindo texto, maravilhoso ! Tem o poder de realmente traduzir as sensações, os sentimentos dela ! Parabéns Bailandesa!

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  3. Parabéns a ambas a Entre Tulipas pela iniciativa e a Bailandesa pelo lindo texto, que descreve com perfeição estes sentimentos. Identifiquei-me em cada vírgula (tudo bem, o país é Alemanha, o idioma outro), mas os sentimentos os mesmos.
    Esta é uma síntese perfeita de um estrangeiro em seu próprio lar (mesmo que o tenha escolhido)

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  4. Oi Mirella,
    Que bom que gostou do texto. O nosso objetivo era de passar esse sentimento que as pessoas que decidem morar em um outro país tem.
    Muito obrigada pela visita!
    Beijokas

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  5. O desafio chamado SUS: Agradecemos o seu comentário e visita! Que bom que você gostou do post! :)

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  6. Oi Day,
    MUITO obrigada pelos elogios! Fico muito feliz (e tenho certeza de que a Bailandesa também) que você tenha gostado. A idéia era de tentar transmitir, em palavras, o que vocês, expatriados, sentem e pensam, independente do país. Estou muito satisfeita que o objetivo do post tenha sido cumprido. :)
    Obrigada pela visita!
    Beijokas

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  7. Excelente post! Poucas pessoas conseguiriam expor estes sentimentos conflitantes que nos assaltam ao iniciar a vida num outro país.
    Parabéns!

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  8. Coisa boa chegar de um dia em uma ensolarada Amsterdam e encontrar tantos comentários legais.

    Agradeço à Nina pelo convite, a todos que leram e mais ainda a vocês que comentaram.

    Acho superimportante compartilhar as experiências e talvez mais ainda as emoções e sentimentos. Esse post demorou pra nascer, mas fiquei muito feliz com o resultado.

    Obrigada

    Clarissa (Bailandesa)
    http://www.bailandesa.nl

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  9. Yeah, excelente post! Eu acho muito importante compartilhar essas coisas. Uma das perguntas que mais me fazem no Ducs é "vale a pena morar fora?" E a resposta é extremamente pessoal. Cada um tem sua experiência, cada um tem sua história e acho muito legal compartilhar essas histórias. Eu adoro lê-las.

    Um dos artigos que eu tenho em rascunho no Ducs é justamente um que dou a minha respostas — apenas mais uma entre milhares, mas é a minha, onde eu falo um pouco do preço que se paga por morar fora. Há sempre uma imagem que "morar fora" é uma coisa só maravilhosa, um mundo cor-de-rosa e tal, e, embora seja sim uma experiência transformadora, é também uma das coisas mais absolutamente difíceis que fiz na vida. E pago um preço diário por ela.

    Eu falei um pouco desse preço nesse thread do FaceBook: http://www.facebook.com/ducsamsterdam/posts/131020173637497

    (penúltimo comentário), e conto pras pessoas: dói! Doi sim, e bastante, mas no fim das contas, que crescimento não dói? Tudo que vale a pena tem de ser conquistado com esforço e sacrifício, e poder olhar pra trás e pensar, paguei caro, mas yeah, sim, valeu a pena. A pessoa que sou hoje eu conquistei ontem e todos os dias.

    Enfim, parabéns pelo post.

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  10. Sou irmã de Clarissa e ela sabe que morro de saudades! Mas, ao mesmo tempo estou muito confortável com a sua escolha, pois ela está muito feliz.
    "Nossa casa" nós levamos conosco para qualquer lugar onde nos sentimos amados, produtivos, integrados.
    Bjo mana, Te amo.
    Ana Cláudia

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  11. Oi Entretulipas, perdido pela net encontrei teu blog, adorei. Viver fora do país natal imagino que o início deve ser muito difícil, principalmente o convívio. Gostei muito do texto, reflete exatamente o sentimento de quem vive fora do país. Até outras vezes Entretulipas, logo mais voltaremos. Até.

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  12. Oi Miguel! Muito legal saber que vocês no encontrou por acaso! :) Espero que esteja gostando.
    Sim, esses são muitas das coisas que passam nas nossas mentes quando decidimos morar fora. Uma mistura de felicidade, com dúvida, com medo, com alegria.
    Obrigada pela visita e volte sempre!

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  13. Gostei muito da tua experiencia mas eu necessitava sabr do lado mais prático da coisa, como vc se virou com dinheiro, se precisou levar muito, omde vc ficou logo que chegou, se arrumou trabalho rapido, essas coisas. Eu vou morar em buenos aires, é o que mais quero na minha vida mais ainda estou em duvida sobre varios aspectos.

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